segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Acarajé – um negócio de apetite.



O sucesso que vem da Bahia

Por Anne Pinto

A tradição, a religião e a cultura, são uns dos elementos que compõem o tempero que conquista turistas e baianos. Foi com essa mistura que surgiu a comida mais exótica da culinária baiana. No meio de cocadas, bolinho de estudante, abará entre outras iguarias, o acarajé se destaca pela sua cor forte e marcante, ligada as tradições religiosas dos negros, aguçando o paladar dos adeptos da famosa dupla: cerveja e acarajé.



Seguindo a tradição as baianas rezavam o candomblé que as filhas de Iansã dos terreiros da Bahia deveriam sair às ruas descalças, com suas indumentárias, como uma forma de devoção ao Orixá, e vender o bolinho original que tinha como acompanhamento apenas a pimenta. Essa é a grande razão da predominância de mulheres negras na atividade, que sofreu intensas modificações ao longo dos anos. Vender o acarajé era uma atividade religiosa e cultural e por motivos históricos, a atividade das baianas sempre esteve às margens da sociedade, apesar de seu processo cultural, muitas vezes extrapolado pela força da economia. Segundo a Bahiatursa são mais de mil bolinhos vendidos por dia, trazendo lucro para pequenos tabuleiros espalhados nas esquinas, praças e praias da cidade de Salvador. De acordo com os dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico - IPHAN são mais de 4.000 baianas registradas pela Federação dos Cultos Afro – Brasileiros, além dos “baianos” que já se destacam com 30 homens cadastrados.



Ampliando o crescimento no mercado, as baianas de acarajé disputam a concorrência com os homens que firmam no mercado tradicional feminino. Não desrespeitando a religião e tradição das baianas, os homens se destacam nos tabuleiros seguindo algumas regras para não descaracterizar a tradição. Trajados corretamente, usam a famosa e tradicional indumentária babá (a bata), o chocoto (calça) e o fila (gorro), tendo a não obrigatoriedade da cor branca, mas de preferência uma cor que retrate a higiene do serviço. Não são só os homens que devem seguir o traje, as mulheres devem usar para padronização do vestuário e dos equipamentos. Essas são as regras impostas pela Bahiatursa, seguindo a tradição das baianas. “Não vejo nenhum problema dos homens entrarem no nosso mercado de trabalho, tendo respeito e seguindo a tradição, por mim tudo bem” diz Dona Célia, baiana há 25 anos. A não obrigatoriedade de que a vendedora de acarajé seja adepta do candomblé, faz da Associação das Baianas seguir os preceitos da tradição mantendo a vestimenta sem descaracterizar a atividade. A evangélica Cristina Santos trabalha vendendo acarajé há mais de 15 anos e diz que é uma forma de sobreviver e que não vai parar de ganhar o sustento da família, ressalta.



Com seu tempero afrodisíaco, o acarajé descobre e desvenda mãos de encanto da capital baiana, três quituteiras de mão cheia surgem no mercado e deslancham com delicias apetitosas que fascinam baianos e turistas.



A quituteira Aldaci dos Santos, mais conhecida como Dadá, teve uma infância difícil e cedo demonstrou interesse pela cozinha. Iniciou sua carreira trabalhando em casas de família, vendeu mingau na praia e pratos feitos para venda (PF), hoje se tornando uma grande empresária do ramo. Com seu sorriso contagiante e tempero de dar inveja, Dadá conquista a clientela e expande seu negócio, muda – se para o Pelourinho (local mais conhecido da capital baiana) e abre outra casa na Orla, de onde seguiu com mais um empreendimento na Costa de Sauípe.



Há mais de quarenta anos funciona no bairro de Itapuã, o famoso tabuleiro de Jacira de Jesus Santos, a Cira. Nascida e criada no bairro, Cira faz de tudo até hoje como aprendeu com a mãe. No tempo em que a acarajé era só com pimenta, Jacira fazia de sua herança (uma panela pequena e um fogão de abanar, deixada pela mãe) o melhor bolinho do bairro, expandindo para outro ponto no Rio Vermelho. Ao contrário de outras baianas, Cira não pôdecontar com as amizades para divulgar o seu trabalho, através do boca – a – boca ( como ela mesma diz) o seu nome foi parar nos jornais e na TV, que através da divulgação, ao redor do seu tabuleiro foram surgindo outros quiosques que atendem os fregueses que não param de chegar.



Em 1955, Lindinalva de Assis, a Dinha aprendeu seu oficio com a avó, de lá pra cá a fila no Largo do Rio Vermelho não tem fim, são turistas e baianos a procura de um dos mais gostosos acarajés da Bahia. Tendo o tabuleiro como ponto de referência da cidade de Salvador, Dinha faz do seu ofício uma arte popular.



Uma atividade típica de mulheres negras, pobres e descendentes de escravos as baianas lutaram pelo reconhecimento na área de trabalho. Como boas fontes de informações para as iniciantes, a tradição passa de mãe para filha, aprimorando seus dotes, enriquecendo os Cultos Afro – Brasileiros e enfatizando o símbolo da cultura popular tradicional da Bahia. Hoje com a categoria valorizada e reconhecida pelo patrimônio às baianas desvendam o que tem em seu tabuleiro, o bolinho de sucesso que rende frutos e valoriza a cultura da Bahia.No momento do preparo e da venda, o bolinho de origem africana, feito de feijão fradinho moído, batido com cebola ralada, água e sal e frito no azeite de dendê, acontece o ritual entre as baianas, segundo a associação das baianas “a hora do preparo é uma hora sagrada”, diz Jandira Silva que feliz por ter seu ofício reconhecido como patrimônio imaterial do Brasil, garantem a tradição da cultura afro representada no ponto de vista artístico cultural e religioso.



Deixando a disputa por conta dos fregueses, as baianas encontram seguidores por todos os lados, a moradora dos Barris, Isabella Brito, cliente assídua da baiana Cira, não dispensa o acarajé mais crocante de Salvador, segundo ela, Cira exagera no recheio deixando o bolinho ainda mais apetitoso.



Após o registro no Livro dos Saberes - o acarajé - o mais famoso bolinho da culinária baiana, faz das baianas o orgulho da comida sagrada, trazendo respeito e valor nas suas atividades tradicionais. Conforme dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico – IPHAN o ofício da baiana de acarajé, um dos saberes e fazeres mais tradicionais da identidade cultural da Bahia e do Brasil, reconhece a tradição aplicada na comercialização da culinária baiana feita com dendê destacando o acarajé que desde sua origem, produção e consumo constituem práticas freqüentes e atualizadas no cotidiano da população.



A importância da técnica do preparo do acarajé representa um jeito de se aprofundar no cotidiano dos seus produtores, tanto para uso religioso ou profano. A decisão tomada pelo IPHAN é fundamental para a preservação da cultura e da identidade da Bahia, ter uma iguaria típica reconhecida depois de alguns momentos de queda, faz a alegria das baianas a seriedade da padronização zelando pela higiene na preparação e manuseio do alimento.




Reportagem e Entrevista: Anne Pinto Ribeiro.30.03.2006.

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