segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Até onde vai a vaidade da mulher ou até onde vai o bom senso da sociedade?

Por Anne Pinto

Para a mulher o cabelo é o charme, a sensualidade, a vaidade e a moldura do rosto. Ele sempre foi motivo de preocupação para a mulher mais vaidosa, afinal ajudam a complementar o glamour e a beleza. E não poderia ser diferente, pois cabelos bonitos costumam ser a luz que faltava para um belo visual. Mas existem mulheres vaidosas que decidem optar pelo diferencial, moderno e surpreendente.

A mulher pode ter cabelos loiros, pretos, crespos, curtos, vermelhos, longos, cacheados, coloridos, alisados e carecas, porque não? Afinal mulher sempre chama a atenção pelas suas atitudes e comportamentos. E foi isso que chamou a minha atenção após algum tempo, não à vaidade da mulher e sim a percepção e atitude que muitas vezes não é observada nem interpretada com dignidade. Vou tentar explicar o meu ponto de vista. Em uma noite de carnaval, estava em Ondina à espera do próximo trio passar - mais especificamente em frente ao Beco de Ondina - cabelos molhados de suor, cerveja na mão e muito animada, e de repente vem o Asa de Águia levando a multidão.

Em frente ao camarote de Ricardo Chaves, Durval pára o trio e começa a cantar uma das suas canções marcantes. Lá de baixo, vejo uma mulher branca, careca, nariz fino, animadíssima e atenta a tudo. Termina o carnaval e tudo volta ao normal em Salvador, é hora de voltar ao trabalho e a faculdade. Retornando às aulas noturnas, no terceiro semestre, andando pelos corredores da FIB, vejo a mesma mulher branca, careca, nariz fino e com um belo sorriso estampado no rosto. Logo veio a lembrança daquele dia do carnaval - reconheci a mulher careca do trio.

Comecei a pegar matéria na mesma sala que ela e muito simpática, sempre trocava algumas palavras comigo. Não vou mentir que tinha a curiosidade de saber o porquê ela era careca, se por opção ou por algo que realmente tinha deixado ela com aquele visual. Mas sempre fui discreta e deixei acontecer. Apesar de ser uma futura jornalista, a minha curiosidade transformou-se em constrangimento - não me sentia à vontade para matar a indiscrição que algumas vezes aguçava.

Admiro a atitude forte que ela encara a sociedade com um visual pouco visto para uma mulher. Hoje no sétimo semestre, a tal curiosidade não é problema - na verdade nunca me incomodou - e através de uma pequena coletiva de imprensa com a 'mulher careca', para a avaliação da disciplina Tópicos Especiais em Jornalismo todas as dúvidas e desconfortos da turma foram solucionados.

Começou a coletiva, todos em silêncio, atentos e com as perguntas na ponta da língua ... "Há 18 anos atrás, quando tinha 23 anos em um acidente de carro, perdi a minha melhor amiga, 3 meses depois fui perdendo as forças musculares e descobrir que estava com - dermatomiosite - doença muscular rara". No momento em que ela contava a sua história, mil coisas passavam por minha cabeça: emoção, fraqueza, dor... Coloquei-me no lugar dela e não sei se agüentaria passar por tudo isso.

"... após um ano, voltei de São Paulo e continuei a trabalhar como comissária de bloco com o Asa de Águia. Propus vender 500 mortalhas e me deram 1000, fiquei desesperada e a noite conversando com meus cristais, gnomos e elfos, disse que se conseguisse vender 800 rasparia a cabeça. Faltando 10 dias para o carnaval começar só tinha vendido umas 300 mortalhas, mas sempre pensei que não iria conseguir. Dois dias antes da folia começar, fui verificar a minha venda e estava em 998 mortalhas vendidas - chamei a minha cabeleireira e raspei meu cabelo no banheiro do escritório - quando me vi, enxerguei outra Grace".

Em meio às palavras de Grace, fiquei quieta, atenta, só observando. As perguntas fugiam, e foi ai que percebi que a minha curiosidade realmente não era tamanha. "... liguei para a minha mãe e ela não acreditava, então disse: ligue a TV e espera o Asa passar, a careca que você ver em cima do trio sou eu". Pensei, corajosa ela, após tantos problemas, alguns remédios, mudanças no corpo, equilíbrio emocional, ainda tem muito senso de humor.

Percebi que não são os cabelos que dão força, coragem e vaidade, que me desculpe Sansão - que tinha a força em seus cabelos - mas a falta deles pode transforma, mudar o comportamento, caráter, humor, problemas antes nunca visto e o bem estar de uma mulher. "eu sou gorda, sou careca e sou feliz", assim Grace terminou a coletiva com relatos antes vistos como preconceituosos, dolorosos, e até mesmo saudosos por pessoas que nem se quer imaginavam ou imaginam a garra, coragem e persistência - a sociedade transforma gestos em grandes palavras.

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